2020 - Atual
No Brasil, o surgimento da disciplina 'Artes' no contexto escolar (Teatro, Dança, Artes Visuais e Música) levanta diversas questões metodológicas e pedagógicas que vão desde a formação de professores (ARISTIDES, 2018) até uma perspectiva social de educação artística (LAVALBERG, 2014). Num esforço para abraçar vários campos artísticos dentro de uma única disciplina escolar, várias organizações internacionais relacionadas com as artes formaram a The World Alliance for Arts Education - WAAE em 2006 (BARTON & BAGULE, 2017). Este último tem estado particularmente atento às contribuições dos estudos interdisciplinares e interartisticos para o desenvolvimento da cidadania a nível local, mas também global. Trabalhos têm assim destacado até que ponto uma abordagem pluri-artística favorece a aquisição de conhecimentos, valores, habilidades e experiências necessárias na construção do indivíduo (o cidadão), mas também do coletivo (a sociedade) - especialmente em um contexto de transformação necessária de nossas sociedades para pensar a transição ecológica.
Na França, nos últimos anos, os ensinos artísticos a nível universitário começaram a proporcionar processos de pesquisa-criação que colocam a experimentação no centro dos cursos de formação. Em Toulouse, a linha EDCS do Mestrado em Estudos Teatrais (EDCS: Escrita Dramática e Criação Cênica) que visa assim articular a pesquisa, a criação artística e a pedagogia. Além do ensino clássico, o ensino artístico prático também é ministrado por inúmeros profissionais, com o objetivo de articular o ensino universitário com o território socioeconômico e cultural. Os últimos anos nos deram um vislumbre de como são ricas e inovadoras as trocas entre pesquisa, criação e pedagogia: somos chamados a questionar a identidade do artista como a identidade do pesquisador, a pensar ou repensar o lugar da arte na sociedade, a vislumbrar uma democratização da arte e da educação artística, mas também uma maior democratização da nossa sociedade através da arte. Nos dispositivos de pesquisa-criação, trata-se de experimentar até que ponto a pesquisa em arte associada à criação artística nos leva a questionar nossos usos políticos, econômicos e sociais, tanto em nível individual quanto coletivo.
A colaboração entre duas universidades registradas em dois territórios e campos culturais diferentes (França e Brasil) também nos leva a confrontar e colocar em diálogo duas visões do mundo. Nossa ambição não é aniquilar essas diferenças para propor uma forma homogênea de pensar a arte e a educação artística, mas sim incentivar as trocas - caso elas assumam a forma de dissensos - e experimentar juntos, em nossos respectivos territórios, novas formas de ensino, pesquisa e prática artística.
Trata-se, em suma, de incentivar a abertura às artes e à educação interartística para pensar de forma diferente a cidadania no cerne das grandes transições sociais e ecológicas nas quais somos chamados a enfrentar. Em nossa visão, a intersecção dos campos artísticos, tanto ao nível teórico quanto ao prático, é crucial no desenvolvimento de experiências e habilidades - tanto individuais quanto coletivas - que são essenciais para iniciar uma profunda transformação da sociedade e dos comportamentos.
Por isso, pensar em artes e educação para a cidadania no coração da universidade, mas também na escola, é um grande desafio. Em seu estudo sobre educação global, Peterson & Warwick (2015) propõem modelos pedagógicos capazes de envolver alunos e estudantes na aprendizagem global. Este tipo de aprendizado nos confronta com situações complexas que demandam clusters de perguntas e respostas: trata-se de "pensar criticamente e imaginar criativamente". Individualmente, mas também sinergicamente, esses processos de aprendizagem promovem "o engajamento da cidadania responsável e ativa com a comunidade local, nacional e global, visando as gerações presentes e futuras".
Uma de nossas principais hipóteses de pesquisa pode ser resumida da seguinte forma: no coração da educação artística - tanto no contexto escolar quanto universitário - a "educação bancária "(FREIRE, 1970) pode ser subvertida para promover um engajamento artístico transformador de nossos comprimentos? Como uma abordagem artística crítica e criativa pode ser parte de um engajamento ativo e responsável do cidadão?
Sensível a essa questão, o grupo brasileiro de pesquisa PesquisaMus tem contribuído para combinar abordagem artística e engajamento cidadão, tanto em nível teórico quanto prático. Estudos anteriores - realizados em parceria com o grupo MODAL no Canadá - mostraram que jovens cidadãos do Brasil e do Canadá, ao colaborarem on-line em projetos de criação artística e de mídia focados na história/cultura de seus povos indígenas e outras matrizes culturais, engajam-se em novas práticas sociais. Na maioria das vezes, essas práticas têm fomentado um melhor entendimento do próprio patrimônio cultural, ao mesmo tempo em que promovem a descoberta de outros patrimônios, mais ou menos distantes (O'NEILL, 2014). Em 2016, esta parceria evoluiu
para o projeto "Colaboração e Criatividade para a Educação Global", que implementou um programa de cidadania global com estudantes de graduação da Universidade Simon Fraser e do Campus Sobral da UFC (GOMES et al., 2019).
Hoje, é entre a França (laboratório LLA-Créatis, Universidade Jean Jaurès) e o Brasil (Universidade Federal do Ceará, Sobral), que gostaríamos de promover o intercâmbio social, artístico, cultural e pedagógico.
Este projeto de pesquisa, combinando os esforços de pesquisadores de dois laboratórios, propõe-se a experimentar novas formas de entender o ensino da arte, a pesquisa artística e a prática artística. Ao implementar uma pedagogia, uma prática artística e uma pesquisa colaborativa entre Música e Teatro, nos propomos a explorar processos de "Pesquisa-Criação" susceptíveis de incentivar a "pesquisa participativa" entre os estudantes (CAHILL, 2017). Segundo a pesquisadora Susan O'Neill, essa abordagem cria as condições ideais para o engajamento transformador dos estudantes.
Em Toulouse, o mestrado da EDCS (Écriture Dramatique et Création Scénique) já experimenta novas modalidades pedagógicas, baseadas na pesquisa-criação nas artes cênicas. A pesquisa através e nas práticas artísticas convida a desenhar uma nova cartografia de possíveis colaborações entre artistas, pesquisadores, cientistas, áreas acadêmicas e não acadêmicas. As diversas modalidades de hibridação entre elaboração teórica, experimentação prática e criação artística também nos convidam a descompartimentar disciplinas a fim de fomentar o diálogo interdisciplinar e interartístico.
No contexto de uma virada educacional na arte (Irit Rogoff) que nos convida a considerar a arte como uma produção de conhecimento no cruzamento entre teoria e prática, mas também num contexto de crise de pensamento (Edgar Morin), experimentar dispositivos de pesquisa-criação em nossas respectivas universidades é uma forma de renovar as relações entre o pensamento crítico e teórico, a prática artística e a transmissão. Mas trata-se também de questionar o alcance dos conhecimentos e das formas produzidas, ou seja, de pensar nossas produções artísticas e/ou teóricas como inseparáveis do mundo em que se inscrevem - geográfica, histórica, social, política, etc.
Pesquisadores
Brasil
Dr. Marco Antonio Toledo Nascimento (coordenador)
Dr. André Carreira (Udesc – ProfArtes)
Dra. Adeline Stervinou (UFC - ProfArtes)
Dra. Rita Helena F. Gomes (UFC – ProfArtes)
Dr. João Emanuel Benvenuto (UFC – ProfArtes)
Dr. Hector Briones (UFC – ProfArtes)
França
Dra. Floriane Rascle (Université Toulouse Jean Jaurès – LLA-Créatis)
Dr. Frédéric Sounac (Université Toulouse Jean Jaurès – LLA-Créatis)
Dra. Odile Tripier-Mondancin (Université Toulouse Jean Jaurès – LLA-Créatis)
Canadá
Dra. Susan O’Neill (Simon Fraser University – Modal Research Group)
Estudantes*
Capucine Amalvy (doutoranda Université Toulouse Jean Jaurès – LLA-Créatis)
Jessica Moreira Carvalho Felix (Grad. em Música - UFC) – Bolsista IC
Tiago Vasconcelos Paiva (Grad. em Música - UFC) – Bolsista IC CNPq